Comer ovos inteiros pode aumentar a síntese proteica em 42%.
Então você ganhou um caminhão de chocolates nessa Páscoa, leu a chamada do artigo e
acha que o segredo para ganhar mais músculos é comer os Ovos de Páscoa inteiros,
de uma só vez!?
Lamento
acabar com suas esperanças, mas infelizmente os efeitos do consumo de ovos de chocolate relacionados à síntese proteica muscular ainda não foram especificamente
estudados, pelo menos até o momento.
Já
em relação aos ovos de galinha, em 2017, um estudo resolveu comparar os efeitos
do consumo de ovos inteiros versus
somente as claras e sua relação com a síntese de proteínas no músculo.
Mas antes um breve histórico
Estima-se
que, há cerca de 3 mil anos atrás, os humanos começaram a domesticar galinhas.
Os
ovos, porém, eram alimentos de baixa disponibilidade. Somente quem criava
galinhas e alguns abastados com dinheiro suficiente para comprar o escasso alimento é que podiam se dar ao luxo de comê-los.
Apenas
no último século (XX) é que as práticas de manejo de galinhas (e ovos)
melhoraram significativamente, causando um aumento exponencial na produção, a
ponto de tornar o ovo um alimento barato e acessível à mesa de todos.
Até
que nos anos 70 a Associação Americana do Coração (AHA), baseada em estudos
pouco confiáveis, publicou recomendações para limitar o consumo de "colesterol
entupidor de artérias" na dieta a 300mg ao dia e o consumo de ovos em 3
por semana.
O
ovo havia virado um vilão para a saúde.
A
partir daí, todo mundo começou a jogar suas gemas fora (cada gema tem quase
200mg de colesterol).
Fisiculturistas
também começaram a descartar as gemas, mas, na verdade, eles estavam mais preocupados
com seus tanquinhos do que com um infarto.
Acreditava-se que gordura engordava, e cada gema tem cerca de 6g de gordura.
Em
2002, a AHA retirou o limite de três ovos semanais, mas manteve a recomendação
de 300mg de colesterol por dia, limitando indiretamente o
consumo de ovos para um por dia, no máximo.
Pesquisas
científicas mais atuais não encontraram relação entre o colesterol na dieta e
colesterol sérico, o que forçou a AHA a remover a recomendação de um limite
diário de consumo de colesterol em 2015.
Além
disso, diversos estudos consideram o colesterol sanguíneo um fator de risco
pouco confiável para doença cardiovascular e morte por todas as causas.
Ainda
assim, muitas pessoas continuam jogando suas gemas fora.
Omeletes
de claras (se é que isso existe) continuam sendo apresentados em dietas e
cardápios sugeridos por revistas fitness, sites, blogs e até profissionais de
saúde.
Se
as galinhas lhe vissem desperdiçando seus "filhos" dessa maneira,
elas certamente iriam se arrepender de não ter colocado um pouco mais de
salmonela no seu ovo. Só de raiva.
Mas
graças a este estudo de 2017, espero que a "galera fitness" pare de
vez de entupir os bueiros de nossas cidades com gemas de ovo jogadas pelo ralo.
O estudo
Pesquisadores
norte-americanos recrutaram 10 homens com experiência em treinamento resistido,
todos com idade de 21 anos (20 a 22 para ser exato).
Depois
de realizarem testes de 10 repetições máximas (10RM) na semana anterior, os
participantes compareceram ao local do estudo em jejum no dia do experimento.
Os indivíduos
receberam uma infusão contínua de aminoácidos marcados isotopicamente (leucina e fenilalanina)
diretamente na veia, a fim de rastreá-los e medir a cinética dos aminoácidos
durante o estudo.
Três
horas depois do início da infusão os participantes realizaram uma breve sessão
de exercícios para membros inferiores, consistindo em 4 séries de 10 repetições
a 80% de 10RM dos exercícios Leg Press e Cadeira Extensora, com duração de
cerca de 25 minutos.
Imediatamente
após o treino, os homens tiveram cinco minutos para comer 3 ovos mexidos
inteiros ou uma quantidade equivalente de proteína em claras de ovo (mais ou
menos 6 claras mexidas), juntamente com 300ml de água.
Esses
ovos, no entanto, eram especiais. As galinhas receberam suplementação de
leucina marcada, de modo que fosse possível identificá-la no estudo. Apesar
disso, quanto à composição de macronutrientes, eram idênticos a ovos comuns.
O
grupo que consumiu os ovos inteiros ingeriu 18g de proteína (sendo 1,57g de
leucina) e 17g de gordura, totalizando 226 kcal.
Já o
grupo que consumiu somente as claras ingeriu 18g de proteína (1,60g de leucina)
e 0g de gordura, 73 kcal no total.
Foram
realizadas biópsias musculares e coletas sanguíneas durante 3 horas antes do
exercício e até 5 horas após a refeição.
O
estudo contou com um modelo cruzado (crossover), no qual, cerca de uma semana
depois, os participantes realizaram o mesmo protocolo, porém os que haviam
ingerido os ovos inteiros comeram somente as claras e vice-versa.
O que eles encontraram
Como
esperado, a ingestão de ovos, independente da condição (inteiros ou claras) aumentou
a síntese de proteínas corporal total, diminuiu a degradação de aminoácidos,
aumentou a presença de aminoácidos na corrente sanguínea e aumentou a retenção de
leucina no corpo inteiro quando comparado à condição de jejum, sem diferenças entre os grupos.
Também
foram verificados o conteúdo de proteínas transportadoras de aminoácidos nos
músculos e outros marcadores associados à sinalização anabólica de proteínas,
sem qualquer diferença entre as condições.
As
concentrações de leucina elevaram-se mais rapidamente após a ingestão das
claras de ovo, aparecendo mais altas principalmente entre 15 e 75 minutos após
a refeição.
Em
compensação, as concentrações de leucina mostraram-se maiores no grupo que
ingeriu ovos inteiros depois de 1h30min até 5h após a refeição.
Ao
final das 5 horas não houve diferença entre os grupos quando observado o efeito
cumulativo das concentrações de leucina no sangue entre ambas as condições: 68%
(somente claras) vs. 66% (ovos inteiros).
O
achado mais importante, contudo, foi o aumento cerca de 42% maior das taxas de síntese
proteica muscular provocada pelo consumo de ovos inteiros (2,7 vezes maior do que
em jejum) quando comparado ao grupo que ingeriu somente as claras (1,9 vezes
mais alto que o jejum).
Os
autores concluíram:
"Demonstramos
que a síntese proteica muscular pós-exercício é estimulada em maior medida após
o consumo de ovos inteiros do que após o consumo de claras de ovo em homens jovens
e saudáveis, apesar da mesma quantidade de proteínas".
O que isso significa para você
Embora
os pesquisadores não tenham certeza sobre o real motivo de ovos inteiros serem
tão mais eficientes no anabolismo muscular do que as claras de ovo, eles supõem que esteja relacionado ao conteúdo nutricional extra presente no ovo inteiro.
Gemas
são ricas em nutrientes e podem conter uma variedade de compostos importantes
como vitaminas, minerais, antioxidantes, carotenoides e lipídios (principalmente
ácidos fosfatídico, palmítico e DHA).
Segundo
os autores, a remoção da gema dos ovos e seus nutrientes associados pode
limitar a estimulação da síntese proteica muscular, bem como a saúde em geral.
Dado
os achados do presente estudo, ovos inteiros, sejam eles cozidos, mexidos ou em
forma de omelete, podem ser uma ótima opção de pós-treino, principalmente se
comparado com claras de ovo ou albumina (suplemento à base de clara de ovo).
Tomar
os ovos a la Rocky Balboa, entretanto, pode não ser muito boa ideia, já que a
absorção da proteína do ovo cru parece ser significativamente menor do que a do
ovo cozido. Isso sem falar no risco de contrair salmonela.
E
sobretudo, pare de jogar as gemas fora!
Fonte:
Vliet, Stephan Van et al. "Consumption of whole eggs promotes greater stimulation of postexercise muscle protein synthesis than consumption of isonitrogenous amounts of egg whites in young men". The American Journal of Clinical Nutrition. 106. ajcn159855. 10.3945/ajcn.117.159855, 2017.
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