Restringir carboidratos leva a uma maior perda de gordura, mas pode não ser a melhor estratégia para ganhar músculos. Confira aqui o estudo.
Foto: MaxPixel.net |
Ultimamente parece que as pessoas têm confundido dieta com religião. Cavaleiros Templários defensores das dietas Low-Carb vivem em constante batalha contra o exército de Saladino defensor e protetor da soberania dos carboidratos.
Eu, particularmente, adoro dietas Low Carb.
Para
mim, é extremamente fácil e prazeroso poder comer ovos mexidos com café preto pela
manhã, almoçar e jantar um medalhão de entrecot grelhado bem gordo, acompanhado
de repolho e abobrinha (ou outros vegetais) refogados na manteiga e uma salada
verde regada com bastante azeite de oliva e cubinhos de bacon fritos.
E, embora
eu nunca tenha observado nenhum prejuízo em relação a força muscular, eu sempre
notei que era difícil ganhar músculos com esse tipo de dieta. Mesmo comendo
muitas calorias a mais do que o necessário, eu via que os carboidratos faziam
falta quando meu objetivo era hipertrofia.
Por isso, nesses casos, resolvia experimentar com dietas low carb com recargas de
carboidratos regulares em determinados dias da semana, aos moldes da Dieta Anabólica de Mauro Di Pasquale ou das recomendações do antigo fisiculturista
Vince Gironda.
Mas reconheço que, talvez nem mesmo assim, essa deva ser a melhor estratégia.
Aparentemente,
as conclusões obtidas com meu "n=1" agora estão respaldadas pela
ciência, já que, em 2018, cientistas espanhóis publicaram os resultados de um
ensaio clínico randomizado investigando a relação de dietas cetogênicas com
hipertrofia muscular na Revista da Sociedade Internacional de Nutrição
Esportiva.
O que eles fizeram
Os
cientistas recrutaram 24 homens saudáveis, na casa dos 30 anos, praticantes de
musculação há pelo menos dois, dividindo-os aleatoriamente em três grupos:
- O primeiro grupo (9 indivíduos, n=9) foi submetido a uma Dieta Cetogênica hipercalórica, com aproximadamente 39 kcal/kg de peso corporal, sendo 20% das calorias em forma de proteína, 70% em gordura e apenas 10% em forma de carboidratos (cerca de 42g) por dia, durante 8 semanas;
- O segundo grupo (n=10), foi submetido a uma Dieta Convencional hipercalórica (39 kcal/kg), alta em carboidratos (55% das calorias totais), além de ter 20% das calorias diárias provenientes das proteínas e 25% de gorduras, durante as mesmas 8 semanas;
- Já o terceiro (n=5), serviu apenas como Controle, sendo instruído a manter sua dieta e nível de exercício habituais.
O
grupo que fez a dieta cetogênica ainda teve que urinar em fitas-teste (Ketostix)
semanalmente, a fim de demonstrar a manutenção do estado de cetose (estado
metabólico no qual o corpo usa corpos cetônicos como energia, eliminando-os
também pela urina).
Paralelamente
à dieta, os indivíduos participaram de um programa de treinamento resistido (i.e.
musculação) com ênfase na tensão muscular (tensional*), realizado 4 vezes por
semana, sendo dois treinos de membros superiores e dois de inferiores em dias
alternados (por exemplo, segunda e quinta superiores; terça e sexta inferiores).
O treino
consistia de 3 séries de 6 a 8 repetições máximas (RM), com 3 minutos de
descanso entre séries e 8 exercícios por sessão. Segundo os pesquisadores, esse
formato de treino foi escolhido porque, teoricamente, não prejudicaria ou
favoreceria nenhum dos grupos.
Caso
o treino realizado lhe interesse, embora na minha opinião tenha sido um pouco
volumoso demais, os exercícios realizados foram os seguintes:
- Membros Superiores: Supino Reto, Barra Fixa, Elevação Lateral, Supino Inclinado, Remada Curvada, Desenvolvimento Militar, Rosca Direta e Mergulho (Triceps Dips);
- Membros Inferiores: Agachamento, Levantamento Terra, Leg Press, Mesa Flexora, Cadeira Extensora, Elevação Pélvica e Gêmeos em pé e sentado.
*Tensional:
Treino onde o estímulo principal é a tensão muscular - Conforme definido pelo
Dr. Paulo Gentil no livro Bases Científicas do Treinamento de Hipertrofia.
Antes
e depois da intervenção, foram avaliados (por DEXA) o Peso Corporal Total,
Massa Gorda, Massa Magra e Gordura Visceral (que é a gordura localizada junto aos
órgãos - um importante fator de risco cardiovascular).
O que eles encontraram
O
grupo submetido à Dieta Cetogênica perdeu significativamente mais Gordura
Corporal (-1,1kg) e Gordura Visceral (-15%), além de uma redução não significativa
no Peso Corporal (-1,4kg, em média). A Massa Magra, contudo, não apresentou diferenças
significativas.
Já o grupo que fez a dieta convencional (alta em carboidratos) apresentou um aumento
significativo de Massa Magra (+1,4kg) e no Peso Corporal (+0,9kg), além de uma
redução não significativa em Massa Gorda (-0,4kg) e Gordura Visceral (-6%).
Sei
o que você está pensando. Como pode uma redução de 1,4kg no peso não ser
significativa na dieta cetogênica e um aumento de 0,9kg na dieta convencional ser
considerado significativo? Ocorre que, na amostra de indivíduos da dieta
cetogênica, alguns deles se mantiveram com o mesmo peso e, inclusive,
aumentaram levemente, enquanto outros reduziram o peso em até mais de 3kg, em
compensação, todos os indivíduos aumentaram o peso na dieta convencional, por
isso a discrepância.
Os
pesquisadores citam que os resultados sugerem que o grupo submetido à Dieta
Cetogênica apresentou uma mudança positiva na composição corporal devido à
diminuição do peso, com redução da massa gorda e acompanhado de uma notável
diminuição da gordura visceral.
Ao
final, eles concluem que:
"A
Dieta Cetogênica pode ser uma abordagem alternativa para reduzir massa gorda e
gordura visceral sem redução de massa magra; contudo, pode não ser útil para
aumentar a massa muscular durante um balanço energético positivo em homens submetidos
ao treinamento resistido por 8 semanas".
O que isso significa para você
Segundo
os resultados obtidos por esse estudo, a inclusão de carboidratos na dieta parece
ser essencial para o ganho de massa muscular.
Porém,
se verificarmos os dados de um artigo(2) publicado nesse mesmo
periódico, em 2014, os resultados apresentados são bastante divergentes.
De
acordo com o artigo, que submeteu 26 homens jovens a dietas semelhantes às
analisadas na pesquisa anterior, conjuntamente com 11 semanas de treino resistido,
o grupo que fez a dieta cetogênica (VLCKD) aumentou mais a massa magra (4,3kg
vs. 2,2kg), massa muscular do quadríceps (0,4cm vs. 0,19cm) e perdeu mais
gordura (-2,2kg vs. -1,5kg) do que o grupo que foi submetido a uma dieta
ocidental padrão (WD).
Por que essa diferença?
Apesar
dos detalhes do treino do último estudo não estarem disponíveis para consulta,
pode ser que os indivíduos deste tenham treinado com mais intensidade. Talvez
este treino tenha imposto um maior estresse metabólico, favorecendo a
hipertrofia.
Ou
talvez o volume de treinamento do primeiro estudo tenha sido alto demais. Além
disso, aquele não mediu, especificamente, a espessura muscular.
Não
se sabe se os indivíduos do segundo foram monitorados quanto ao estado de
cetose, enquanto no primeiro, dois indivíduos que não conseguiram se manter nesse
estado foram excluídos da intervenção.
Devido
a essas diferenças, os autores espanhóis acabaram concluindo seu estudo assim:
"Dessa
forma, concluímos que dietas de baixo carboidrato, como a dieta cetogênica, não
seriam uma estratégia otimizada para construir músculos em homens treinados
submetidos às condições desse estudo (um protocolo de treino resistido com foco
em tensão muscular durante 8 semanas)".
E o que eu faço com essa informação, afinal?
Devido
a falta de dados do segundo estudo, bem como possíveis conflitos de interesse
dos autores do mesmo, visto que um deles trabalharia para uma empresa que vende
suplementos cetogênicos, prefiro acreditar nos dados mais transparentes do
primeiro.
É
claro que Low Carb é uma estratégia totalmente válida, especialmente para
populações especiais como obesos e diabéticos, e, até mesmo para atletas
competindo em categorias de peso, podendo levar indivíduos a emagrecer e perder
gordura visceral mesmo em superávit calórico, sem perda de massa muscular e diminuição
de força.
Porém
seu uso com o intuito de ganhar massa muscular parece não ser uma boa opção,
segundo os resultados do estudo espanhol.
Dessa
forma, caso seu objetivo atual seja hipertrofia, consumir uma quantidade maior
de carboidratos, acompanhado de uma dose suficiente de proteína, parece trazer
melhores resultados.
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Fontes:
1. Vargas,
Salvador et al. “Efficacy of ketogenic diet on body composition during
resistance training in trained men: a randomized controlled trial.” Journal of
the International Society of Sports Nutrition vol. 15,1 31. 9 Jul. 2018,
doi:10.1186/s12970-018-0236-9
2. Rauch,
Jacob T et al. “The effects of ketogenic dieting on skeletal muscle and fat
mass.” Journal of the International Society of Sports Nutrition vol. 11,Suppl 1
P40. 1 Dec. 2014, doi:10.1186/1550-2783-11-S1-P40
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