O estudo que verificou o maior crescimento muscular na história da pesquisa científica utilizou um método nada convencional. Veja aqui como adaptá-lo para seu treino.
Foto: PavelJurča em Pixabay |
Se
você está sempre procurando aplicar os melhores e mais eficientes métodos para
crescimento muscular em seu treino ou de seus alunos, você já deve ter se
perguntado alguma vez:
"Qual
será o método de treino que provoca o maior ganho muscular possível?"
Bem,
até o momento, segundo meu conhecimento (e creio que diversos profissionais da
área também concordem), o crescimento muscular mais extremo documentado pela
ciência foi de fantásticos 318% em 37 dias, dados de um estudo conduzido em
1993(1) pelo Dr. Jose Antonio, da Universidade do Texas (na época).
Eu
disse, TREZENTOS E DEZOITO POR CENTO!
318%
em média. O maior resultado chegou a 416%!!!
Só
que infelizmente esse experimento não foi feito em humanos.
Através
de um complexo protocolo de alongamento com sobrecarga, o Dr. Antonio conseguiu
induzir, em codornas, esse incrível aumento muscular.
A codorna mais bombada da gaiola
O
protocolo utilizado no estudo consistia em pendurar cargas progressivamente mais
altas em uma das asas das codornas durante, no mínimo, 24 horas, intercalando
com 48 a 72h de descanso a cada progressão de carga, que começou com 10% e foi
até 35% do peso do animal. Após atingir os 35%, o alongamento com sobrecarga foi
mantido durante 21 dias ininterruptos.
Os
pesquisadores verificaram que a massa muscular da asa alongada foi aumentando
progressivamente no decorrer do estudo, atingindo 174% de aumento em 12 dias
(de alongamento, sem contar os dias de descanso), 225% em 20 dias e 318% ao
final dos 28 dias de alongamento.
Como
a asa que não era alongada servia de controle intra-animal, os cientistas puderam
comparar o tamanho das fibras musculares entre ambos os lados de uma mesma ave,
mas mais importante do que isso, eles conseguiram contar individualmente a
quantidade de fibras musculares em cada músculo analisado.
E o
que eles descobriram foi que, durante os 28 dias de alongamento com sobrecarga,
a área de secção transversa (espessura) das fibras musculares chegou a atingir
um aumento de 141,6% no 16º dia, porém ao final dos 28 dias sua espessura era
apenas 38,9% maior do que o lado não alongado.
Ué, quer
dizer que os músculos aumentaram e depois diminuíram? Calma, as coisas vão
fazer mais sentido agora.
Acontece
que ao contar as fibras musculares, os cientistas perceberam que, ao fim dos 28
dias, a quantidade de fibras do músculo alongado tinha aumentado em 82,2%.
Segundo
os autores, os resultados do estudo sugerem que o aumento inicial no músculo submetido
a alongamento com sobrecarga progressiva é devido a um aumento no comprimento e
na área de secção transversa do músculo; depois disso, as fibras atingem um
tamanho crítico e então a hiperplasia ocorre.
Hipertrofia X Hiperplasia
Existem
basicamente duas formas de um músculo aumentar de tamanho. Uma delas é a
conhecida hipertrofia, em que ocorre um aumento no tamanho das fibras
musculares.
A
hiperplasia, por sua vez, refere-se a um aumento no número de células ou fibras
musculares.
Enquanto
a primeira forma é mais conhecida, inclusive pelo público leigo, e aceita pelos
cientistas, a segunda já é mais controversa.
O
trabalho do Dr. Jose Antonio é focado, justamente, nesta última.
A
hiperplasia pode ocorrer de duas maneiras. Uma é através da divisão de uma
fibra muscular em duas ou mais fibras menores, a outra é através da ativação e
proliferação de células satélites, presentes no tecido muscular, que são
capazes de se diferenciar e se fundir para formar novas fibras.
E Quanto a Nós que Não Somos Aves?
"Pô, eu entrei aqui para descobrir o
melhor método de treino que existe e você me traz um experimento com frangos? Porra!
Eu tô aqui, justamente, porque eu não quero ser um frango."
Embora,
por razões óbvias, ninguém tenha repetido esse experimento em humanos, afinal
seria antiético grudar halteres nas mãos de pessoas com silver tape durante 28
dias (*merda de declaração de Helsinki*), alguns estudos também já sugeriram a
ocorrência de hiperplasia em humanos.
Apenas
lembre-se que alguns dos métodos utilizados pelos cientistas em estudos com
animais simplesmente não podem ser feitos com pessoas por motivos éticos. A
menos, é claro, que você seja a favor do sacrifício ou desmembramento humano
para contar suas fibras musculares. O
Código de Nuremberg certamente não o é.
E
mesmo se os motivos éticos não fossem o problema, há motivos logísticos que
impossibilitariam o trabalho, até porque os cientistas provavelmente
prefeririam maratonar três vezes seguidas todas as temporadas de Vila Sésamo a
contar o número de fibras musculares de um músculo humano. Enquanto o músculo
das codornas utilizadas no estudo anterior possui cerca de 1500 fibras, um músculo
humano como o bíceps, por exemplo, pode ter mais de 400 mil fibras. E elas tem
que ser contadas uma a uma.
Seria
um trabalho extremamente tedioso e demorado. Os pesquisadores provavelmente teriam
que colocar escravos para fazê-lo e, definitivamente, há diversas questões
éticas quanto a isso.
As
evidências de hiperplasia em humanos foram obtidas de forma indireta. Um estudo
com fisiculturistas de elite demonstrou que eles possuíam uma circunferência de
braço 27% maior do que indivíduos sedentários. Apesar disso, a espessura das fibras
musculares de seus tríceps não eram significativamente maiores do que as do
grupo controle.
Os
achados foram semelhantes quando comparados fisiculturistas a indivíduos
treinados, sugerindo, em ambos os casos, que os fisiculturistas pudessem ter uma
maior massa muscular devido a um maior número de fibras musculares.
E Isso Funciona em Humanos?
Alguns
pesquisadores têm demonstrado interesse em fazer esse método funcionar para
humanos. Dentre eles está o grupo do Dr. Jacob Wilson - @themusclephd.
Em
2014, seu grupo, liderado por Jacob Rauch e Jeremy Silva, apresentou os resultados
de um experimento utilizando um método inspirado nos estudos do Dr. Antonio na
Conferência Nacional de Força e Condicionamento em Las Vegas.
No
experimento, os pesquisadores submeteram atletas a um protocolo de treino de 4
a 5 séries de gêmeos (panturrilhas) no Leg Press. Um grupo descansou
normalmente durante 30 segundos entre as séries. O outro grupo deixava o peso
do aparelho alongar suas panturrilhas durante os 30s de intervalo entre as
séries.
Eles
começavam a primeira série do treino com uma carga equivalente a 12 a 15RM,
seguida por um "descanso" onde se sustentava a carga do aparelho na
posição de máximo alongamento dos músculos das panturrilhas durante 30
segundos. Eles repetiram esse processo mais 3 ou 4 vezes, retirando 15% da
carga a cada série (um drop-set), totalizando 4 a 5 séries intercaladas com períodos
de 30s de alongamento.
Depois
de 5 semanas de treino, o grupo que utilizou o protocolo de alongamento com
sobrecarga obteve o dobro de aumento muscular em comparação ao grupo controle,
que descansou normalmente entre as séries.
Embora
ainda haja um longo caminho até os 300% de aumento encontrado em aves, os
resultados sugerem um maior aumento muscular utilizando o método.
O Dr.
Wilson ainda propõe que esse método pode ser usado em outros exercícios, desde
que a posição de máximo alongamento com sobrecarga possa ser mantida com
segurança, por exemplo:
- Bíceps: no exercício de Bíceps no banco inclinado com halteres, manter a posição mais alongada (braços em direção ao solo);
- Peito: alongar na posição mais aberta de um Crucifixo com halteres;
- Trapézio: depois de uma série de Encolhimento de ombros, segurar o peso deixando-o alongar os trapézios;
- Posteriores da Coxa: manter a posição mais alongada de um Terra Romeno ou de um Pull-Through;
- Quadríceps: sentar sobre os calcanhares mantendo as mãos no solo atrás de você (forçando uma extensão de quadril o alongamento fica ainda mais intenso);
- Costas: Pendurar-se na barra fixa com os braços estendidos (também pode-se usar o aparelho de Puxada);
- Tríceps: após o Tríceps Francês ou Extensão acima da cabeça, deixar o peso alongar o músculo mantendo o cotovelo apontado para o alto.
O Que Dizem os Estudos com Humanos
Recentemente,
em 2017, Simpson et al.(3) dividiram 21 homens em dois grupos e submeteram 11 deles
a 3 minutos de alongamento com sobrecarga de 20% da CVM (contração voluntária
máxima) no Leg Press 45º durante 6 semanas. Os alongamentos eram feitos apenas
na perna não dominante, 5 vezes por semana, aumentando-se a carga em 5% a cada
semana. Ao fim das 6 semanas, a espessura muscular do grupo que realizou o
alongamento aumentou em 5,6% comparado à perna contralateral do mesmo indivíduo
e ao grupo controle.
Uma
das limitações do estudo é que não houve um grupo treinando apenas musculação
para ser comparado com o grupo do alongamento.
Já um
outro estudo, publicado em 2019(4), cujo primeiro autor foi o brasileiro
Alexandre Evangelista, comparou os resultados entre um grupo que realizou um
treino resistido tradicional - 4 séries de 8-12RM com intervalo de 90 segundos
entre séries - versus um grupo que
realizou o mesmo treino, mas que, durante o intervalo de 90s, fazia 30 segundos
de alongamento estático passivo para o músculo agonista (ou seja, o músculo que
estava sendo trabalhado) entre as séries.
O
treino era repetido duas vezes na semana e os exercícios utilizados foram os
seguintes, sendo intercalados ou não com alongamentos (que eram bastante
simples, desses que todo mundo faz nas academias), conforme o grupo:
Supino
reto (+ alongamento para peitoral e ombro), Remada baixa (+ alongamento para o grande dorsal), Mergulho na máquina
(+ alongamento para tríceps), Rosca bíceps (+ alongamento para bíceps), Extensão
de joelhos (+ alongamento para quadríceps) e Flexão de joelhos (+ alongamento
para os isquiotibiais).
Ao
fim de 8 semanas ambos os grupos apresentaram ganhos de força significativos nos
testes de 1RM no supino e na extensão de joelhos, sem diferença entre os grupos.
Os aumentos no tamanho dos músculos também foram semelhantes entre os grupos,
contudo houve uma tendência de maiores ganhos para o grupo que fez o
alongamento entre as séries no músculo vasto lateral da coxa e na soma das
espessuras dos músculos analisados.
Apesar
disso, o modelo de alongamento utilizado no estudo difere bastante do modelo de
alongamento com sobrecarga utilizado nos outros experimentos. Sua curta duração
e baixa sobrecarga podem ter deixado de gerar resultados mais significativos.
O que Isso Significa para Você
Embora
esses estudos em humanos não tenham contado as fibras musculares para verificar
a ocorrência de hiperplasia, no fim das contas, o que realmente importa para
nós são os resultados, afinal ninguém quer saber se seu músculo tem um maior
número de fibras e sim se ele cresceu.
E os
estudos têm apontado ganhos em espessura muscular com a utilização do método.
Nada que vá nos fazer mudar definitivamente nossa forma de treinar para incluir
esse método em todas as sessões de treino para o resto da vida, mas pelo menos
é uma ferramenta a mais no nosso arsenal de técnicas e métodos de treino.
Se
quiser experimentá-lo tal qual o estudo do Dr. Jose Antonio, você pode andar
por aí com anilhas de 10kg penduradas nos seus pulsos durante algumas semanas e
ver se seus trapézios ficam enormes depois disso. Caso você decida fazer isso,
grave, registre e me mande porque eu certamente vou ficar bastante curioso
para saber como foi o auto-experimento.
Se quiser testá-lo conforme sugerido pelo Dr.
Jacob Wilson, basta realizar alongamentos com sobrecarga entre as séries (feitas
em formato de drop-sets) dos exercícios de seu treino.
Como
esse método provoca um estresse mecânico bastante grande no músculo, uma boa
ideia seria mesclá-lo com métodos de treino tensionais, tais como ênfase na
fase excêntrica e utilização de cargas altas. Talvez o drop-set proposto pelo
Dr. Wilson seja, até mesmo, dispensável.
Um
bloco de treino de 4 a 6 semanas nesse formato poderia trazer alguns resultados
bastante positivos, principalmente caso você se encontre estagnado.
Porém, provavelmente ainda estaremos muito longe dos 318% de aumento. Infelizmente.
Fontes:
1. Antonio, J. and Gonyea, WJ. "Progressive stretch overload of skeletal muscle results in hypertrophy before hyperplasia". Journal of Applied Physiology, 1993. 75(3): p. 1263-71.
1. Antonio, J. and Gonyea, WJ. "Progressive stretch overload of skeletal muscle results in hypertrophy before hyperplasia". Journal of Applied Physiology, 1993. 75(3): p. 1263-71.
2. https://www.bodybuilding.com/fun/ask-the-muscle-prof-what-technique-produces-craziest-growth.html.
3. Simpson
et al. "Stretch training induces unequal adaptation in muscle fascicles
and thickness in medial and lateral gastrocnemii". Scand J Med Sci Sports.
2017 Dec;27(12):1597-1604.
4. Evangelista et al. "Interset Stretching
vs. Traditional Strength Training: Effects on Muscle Strength and Size in
Untrained Individuals". The Journal of Strength & Conditioning
Research: July 2019 - Volume 33 - Issue - p S159–S166.
0 Comentários