Creatina Inibe a Miostatina

Tomar creatina pode reduzir a expressão de miostatina até 2 vezes mais, segundo estudo.

Foto: EIcare em Pixabay


Mutantes Super Musculosos

No dia em que a "produção" de super-humanos por engenharia genética passar de antiética para plenamente aceita, os fisiculturistas não vão mais precisar das grandes quantidades de drogas usadas atualmente para alcançar seus surpreendentes físicos.

Ao invés disso, bastará que os cientistas alterem geneticamente o embrião do futuro atleta e voilà. Um fisiculturista já nascerá prontinho. É claro que ele vai ter que treinar e tudo mais. Além disso, provavelmente, ele estará fadado a ser um fisiculturista ainda que ele prefira jogar basquete.

Para isso, tudo o que os geneticistas precisarão fazer é alterar um pequeno par de genes, localizado no cromossomo 2, precisamente na posição 32.2, por genes mutantes.

Esse gene é responsável pela produção de miostatina e sua mutação produz indivíduos extremamente musculosos.

Enquanto esse dia não chega, podemos nos contentar com um suplemento comum, barato e efetivo que também é capaz de reduzir a miostatina.


Mas Que Diabos É Miostatina?

A miostatina, também conhecida como fator de diferenciação e crescimento-8 (GDF-8), é uma proteína responsável pela regulação negativa do crescimento muscular. Ela é encontrada quase exclusivamente em tecidos musculares e seu papel é restringir seu crescimento, garantindo que os músculos não fiquem muito grandes.

Ou seja, quanto mais miostatina pior para seus músculos. Portadores de algumas doenças associadas a atrofia muscular e até pacientes acamados, por exemplo, podem apresentar altos níveis de miostatina.

A miostatina foi identificada pela primeira vez em 1997¹, em uma pesquisa dos cientistas Se-Jin Lee e Alexandra McPherron da Escola de Medicina da Universidade Johns Hopkins nos EUA.

Estudos genômicos e moleculares em diversas espécies demonstraram que mutações no gene da miostatina (MSTN) promovem um aumento substancial da massa muscular como resultado da combinação de hipertrofia e hiperplasia.


Quer Dizer Que Mutantes Existem?

Modelos de animais com essa condição (natural ou provocada) têm sido estudados desde então.

Um dos casos mais famosos é a raça bovina Belgian Blue (Azul Belga), criada através de cruzamentos seletivos ao longo do século XIX e XX, resultando em uma raça bovina com uma mutação no gene da miostatina que leva os bois a terem uma condição chamada “musculatura dupla”, fazendo-os parecer que passam o dia inteiro na academia.

Foto: Belgian Blue Bull por Mastiff em Wikimedia Commons [CC BY-SA 3.0]


A raça italiana Piemontês também compartilha de uma mutação genética no gene da miostatina, apresentando grande quantidade de músculos e baixo percentual de gordura, já que a miostatina também pode afetar os adipócitos, dificultando a formação de gordura.

O resultado é um churrasco duro, magro e sem graça, mas um boi incrivelmente musculoso e definido.

No mesmo estudo onde foi anunciada a descoberta da miostatina¹, em 1997, McPherron e Lee demonstraram que ratos geneticamente modificados para que não produzissem miostatina eram significativamente maiores e mais musculosos (quase o dobro) do que os ratos comuns.


E Esses Animais São Mais Atléticos?

Para responder essa pergunta precisamos olhar exemplos de atletas do mundo animal.

Um ótimo exemplo são os cães galgos utilizados para corrida, mais precisamente os da raça Whipet.

Então, conheça a Wendy:

Foto: Wendy the Bully Whipet em imgur.com

Wendy é um cão dessa raça, conhecido como “Bully Whipet”, visto que por apresentar uma mutação no gene da miostatina, desenvolve muito mais massa muscular do que um cão normal.

Wendy possui a mutação em ambos os alelos do gene, sendo um exemplar homozigoto. Os homozigotos (Bully Whipet) embora muito mais musculosos que os outros cães da raça, não costumam ser os melhores corredores.

O que os cientistas verificaram² é que os exemplares de cães da raça Whipet com apenas um gene mutante (heterozigotos) é que costumam dominar as categorias de corridas. Eles são mais musculosos do que os cães com genes normais, mas não tão musculosos e pesados quanto os homozigotos mutantes. De 85 cães corredores analisados, 66% dos exemplares de heterozigotos ocupavam as primeiras categorias contra 16% dos cães “normais”.

Cão “Normal” x Heterozigoto x Homozigoto²

Infelizmente, não há estatísticas para os Bully Whipets, visto que a condição é bastante rara.


Há Exemplos em Humanos?

Sim. Em 2004³, a ciência reportou pelo menos um caso de um menino alemão nascido em 2000 com mutação no gene da miostatina. A mutação (g.IVS1+5 g→a) em ambas as cópias do gene foi confirmada em análise do material genético do garoto (RNA). Segundo relatos, sua mãe era uma ex-atleta profissional e, durante o estudo, os cientistas descobriram que ela própria tinha deficiência em um alelo do gene da miostatina (era heterozigoto).

Infelizmente, não foram revelados os nomes dos indivíduos, mas segundo o relato dos cientistas, aos 7 meses de idade, as pernas e braços do menino já eram cerca de duas vezes maiores do que os de crianças da mesma idade. Aos 4 anos, ele podia segurar dois halteres de 3kg com os braços estendidos na altura dos ombros.

Imagens da criança recém-nascida à esquerda e com 7 meses à direita³

Já Posso Alterar Meus Genes, Então?

Ok, me convenceu. Estou pronto para alterar meus genes que produzem miostatina. Posso trocá-los pela mutação?

Bem, a engenharia genética enfrenta diversas questões éticas quando o assunto é alteração genética em humanos. Embora já se conheça o gene, seu local e algumas das mutações que provocam a inibição da miostatina em humanos e animais, as pesquisas com “transgênicos” somente foram realizadas em animais até o momento.


E Por Que Estamos Falando Sobre Isso?

Acontece que, segundo um ensaio clínico randomizado duplo-cego conduzido por cientistas iranianos em 2010, há um suplemento que pode ajudar a reduzir os níveis de miostatina após o treinamento resistido (i.e. musculação).

E mais, esse suplemento é barato e, por diversas vezes, já foi provada sua eficácia em ganhos de massa muscular e força em humanos.

Estamos falando da Creatina.


O Estudo

Os pesquisadores dividiram 27 homens jovens e saudáveis, não praticantes de musculação (pelo menos nos últimos 6 meses), em três grupos:

  • Um grupo que praticou musculação e suplementou creatina conjuntamente;
  • Um grupo que praticou musculação e suplementou placebo (celulose em pó);
  • E um grupo controle, que manteve suas atividades normais.


Durante 8 semanas os dois primeiros grupos foram submetidos a um programa de treino realizado três vezes na semana em dias não consecutivos, consistindo de 3 séries de 8 a 10 repetições a 60-70% de 1 repetição máxima (1RM) com cerca de 2 minutos de descanso entre as séries.

Todas as sessões de treino foram compostas por seis exercícios: Supino Reto, Puxada, Rosca Bíceps, Leg Press, Cadeira Extensora e Cadeira/Mesa Flexora.

Antes do estudo e a cada duas semanas de treino, foi avaliada a força dos participantes no teste de 1RM no Supino Reto e no Leg Press. As cargas do treino foram ajustadas de acordo com os testes.

Juntamente com o treino, os sujeitos suplementaram creatina monoidrato ou placebo em cápsulas da seguinte forma:

  • Na primeira semana eles fizeram uma fase de saturação, tomando 0,3g por kg de peso corporal ao dia, dividido em três doses iguais;
  • Nas 7 semanas seguintes eles permaneceram em uma fase de manutenção, consumindo 0,05 g por kg (de creatina ou placebo) diariamente.


A composição corporal (massa magra e gordura) foi avaliada por DEXA antes do estudo, após 4 semanas e ao final do estudo (8 semanas).

Também foram coletadas amostra de sangue em jejum nas semanas 0, 4 e 8, a fim de verificar a concentração de miostatina sérica e de GASP-1, uma proteína que é capaz de ligar-se à miostatina inibindo sua ação negativa no crescimento muscular.


O Que Eles Encontraram

A força aumentou significativamente nos grupos que fizeram musculação, mas aumentou mais no grupo que suplementou creatina.

No teste de 1RM no Supino, o grupo que usou creatina aumentou a força em 31,6%, já o grupo que usou placebo aumentou a força em 18% ao fim de 8 semanas. No Leg Press os resultados foram menos formidáveis, mas ainda significativos, sendo que o grupo que suplementou creatina aumentou a força em 14,6% contra 10% do grupo que usou placebo.


Quanto à composição corporal, ambos os grupos que praticaram musculação aumentaram a massa magra de forma significativa. Houve uma pequena vantagem para o grupo que suplementou creatina, que aumentou a massa magra em 2,6kg (4,3%), em comparação ao grupo placebo, que teve um aumento de massa magra de 2kg (3,36%).

O percentual de gordura e a gordura corporal não apresentaram diferenças significativas, mas houve uma pequena tendência de redução nos grupos que treinaram musculação.


A concentração de miostatina no sangue diminuiu significativamente com o treinamento resistido, mas diminuiu praticamente o dobro no grupo que suplementou creatina (cerca de 15%) comparado ao grupo placebo (cerca de 7,5%).

Já a concentração de GASP-1 apresentou aumento após 8 semanas de treinamento resistido, sem diferença significativa entre os grupos.

O grupo controle, no entanto, não apresentou alteração em nenhuma variável analisada.


O Que Isso Significa Para Você

Embora os efeitos ergogênicos e anabólicos da creatina sejam extensamente reconhecidos na literatura científica, os mecanismos de atuação da mesma no aumento de massa muscular e força ainda não são completamente compreendidos.

O estudo iraniano demonstrou pela primeira vez que a suplementação de creatina em conjunto com a musculação é capaz de reduzir a expressão de miostatina em humanos, contudo os mecanismos fisiológicos que levaram a esse desfecho são desconhecidos.


Como Usar Essa Informação

Se você está interessado em ganhos de força e massa muscular (e, independentemente de seu objetivo ou tipo físico, você deveria estar), a suplementação de creatina parece ser um meio relativamente barato e eficiente de potencializar os efeitos do treino de força, sendo que uma possível forma pela qual ocorrem essas adaptações esteja ligada a uma maior inibição da miostatina.

Além disso, estudos demonstram que os benefícios da creatina vão além do anabolismo muscular.


Como Suplementar Creatina

Você pode fazer um protocolo de suplementação com fases de saturação e manutenção como o realizado no estudo (aqui explico como calcular as dosagens das diferentes fases) ou, alternativamente, você pode tomar 3 a 5g de creatina monoidratada todos os dias.

Embora haja diferenças na velocidade da saturação de creatina muscular inicialmente, ao fim de 30 dias o nível de saturação será idêntico em qualquer uma das opções.

E embora não haja um momento ruim pra suplementar creatina, alguns estudos sugerem que seu consumo logo após o treino possa trazer maiores vantagens.

Se você quiser conhecer algumas opções de creatina, pessoalmente, indico essas três abaixo. As duas primeiras têm uma consistência tipo sal, já a terceira parece mais uma farinha. Eu, particularmente, prefiro as mais grossas, mas isso é questão de gosto pessoal. Aos preços atuais, a dose de cada uma delas sai por R$ 0,95, R$ 0,55 e R$ 0,49, respectivamente, a cada 5 gramas. O motivo de a primeira ser mais cara, além da maior quantidade (suficiente para até 80 dias), é a qualidade e pureza da matéria-prima alemã (CreaPure).




Ou você pode esperar chegarmos em 2085 para alterar seus genes por uma mutação. Com sorte você estará vivo e pouco afetado pela sarcopenia até lá se você continuar treinando.




Fontes:
1. Alexandra C. McPherron, Ann M. Lawler, and Se-Jin Lee. “Regulation of skeletal muscle mass in mice by a new TGF-ß superfamily member”. Nature. 1997 May 01;387:83-90.
2. Mosher DS, Quignon P, Bustamante CD, Sutter NB, Mellersh CS, Parker HG, Ostrander EA. “A mutation in the myostatin gene increases muscle mass and enhances racing performance in heterozygote dogs”. PLoS Genet. 2007 May 25;3(5):e79.
3. Schuelke M, Wagner KR, Stolz LE, Hübner C, Riebel T, Kömen W, Braun T, Tobin JF, Lee SJ. “Myostatin mutation associated with gross muscle hypertrophy in a child”. N Engl J Med. 2004 Jun 24;350(26):2682-8.
4. Saremi A, Gharakhanloo R, Sharghi S, Gharaati MR, Larijani B, Omidfar K. “Effects of oral creatine and resistance training on serum myostatin and GASP-1”. Mol Cell Endocrinol. 2010 Apr 12;317(1-2):25-30.

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