Cientistas descobrem o número ótimo de séries para hipertrofia e força (e é menos do que você pensava). Confira aqui.
Foto: Scott Webb em Pexels |
Na musculação, existem diversas
variáveis de treino que podem ser manipuladas a fim de obter os resultados desejados,
como seleção de exercícios, ordem dos exercícios, intervalo de descanso, frequência
semanal, carga utilizada, velocidade de execução e volume de treino, entre outras.
Historicamente (inclusive atualmente),
entre os cientistas e praticantes, existe uma corrente de pensamento, quase uma
filosofia, que acredita que o volume de treino seja o principal responsável
pelas adaptações musculares ao treinamento resistido (musculação),
especialmente quanto à hipertrofia e força.
Para a maioria das pessoas o
volume é definido pelo número de séries feitas durante um treino (sem contar as
séries de aquecimento).
Mas será que fazer mais séries
realmente leva a um maior ganho de músculos?
Pois bem, hoje lhes convido a dar
uma olhada em um estudo sobre esse tema publicado em março de 2019.
O Estudo
Para tentar responder à pergunta
acima, pesquisadores brasileiros recrutaram 40 mulheres jovens (média de idade
de 24-25 anos) com, no mínimo, três anos de experiência em musculação treinando
pelo menos 3 vezes por semana e as dividiram em 4 grupos com volumes de treino
diferentes:
- G5: 5 séries por semana (por sessão)
- G10: 10 séries por semana
- G15: 15 séries por semana
- G20: 20 séries por semana
As voluntárias seguiram o
programa durante 24 semanas, treinando três vezes por semana usando uma divisão
Push/Pull/Legs (Empurrar/Puxar/Pernas), muito famosa na musculação (mais
detalhes sobre o programa de treino a seguir).
Observe que um estudo dessa
magnitude é bem raro. Normalmente os estudos costumam durar de 8 a 12 semanas.
Aqui, nós estamos falando de cerca de 6 meses de treino. E o melhor, todas as
40 mulheres completaram o estudo com, pelo menos, 93% de frequência. Incrível!
O Treino
Eram realizadas três sessões de
treino por semana, sendo cada grupo muscular trabalhado uma única vez na
semana. O treino era bastante simples, três exercícios por dia, levados até a
falha muscular momentânea, mudando apenas a quantidade de séries realizadas por
cada um dos grupos.
O programa foi o seguinte:
Segunda-feira – Push (Movimentos
de Empurrar)
- Supino Reto - G5: 2 séries; G10: 4 séries; G15: 5 séries; G20: 7 séries.
- Supino Inclinado - G5: 2x; G10: 4x; G15: 5x; G20: 7x.
- Desenvolvimento Militar - G5: 1x; G10: 2x; G15: 5x; G20: 6x.
Quinta-feira – Pull (Movimentos
de Puxar)
- Puxada Alta - G5: 2x; G10: 4x; G15: 5x; G20: 7x.
- Remada Baixa - G5: 2x; G10: 4x; G15: 5x; G20: 7x.
- Remada Alta - G5: 1x; G10: 2x; G15: 5x; G20: 6x.
Sexta-feira – Legs (Pernas)
- Leg Press 45º - G5: 2x; G10: 4x; G15: 5x; G20: 7x.
- Agachamento Livre - G5: 2x; G10: 4x; G15: 5x; G20: 7x.
- Levantamento Stiff - G5: 1x; G10: 2x; G15: 5x; G20: 6x.
Os pesquisadores também aplicaram
uma “periodização ondulatória” (na falta de um nome melhor) no número de
repetições, mudando-as a cada semana:
- Semana 1: 12-15 Repetições Máximas (RM) com descanso de 30-60 segundos;
- Semana 2: 4-6RM com descanso de 3-4 minutos;
- Semana 3: 10-12RM com descanso de 1-2 minutos;
- Semana 4: 6-8RM com descanso de 2-3 minutos.
Nas semanas seguintes elas
repetiram tudo isso a partir da semana 1. O ciclo foi repetido 6 vezes, totalizando
as 24 semanas de treino.
Os Resultados
Os pesquisadores avaliaram a
força das participantes, antes e depois do treino, através do teste de 10RM nos
exercícios Supino Reto, Puxada Alta, Leg Press 45º e Levantamento Stiff.
Eles também mediram a espessura
muscular por ultrassom dos músculos bíceps braquial, tríceps braquial, peitoral
maior, quadríceps femoral e glúteo máximo, antes e depois do estudo.
Para facilitar a visualização,
coloquei os resultados em um gráfico, considerando as medições iniciais como
0%.
Veja o que aconteceu ao fim dos 6
meses de treino:
Gráfico dos ganhos de força |
Como você pode ver os grupos que
fizeram 5 e 10 séries tiveram um maior ganho de força em quase todos os
exercícios, quando comparado aos grupos que fizeram 15 e 20 séries. É verdade
que no Supino a diferença entre G5 (51,6%), G10 (54,8%) e G15 (41,7%) não foi
estatisticamente significante, ainda assim, todos foram maiores que o G20.
Na Puxada, os níveis de
significância ficaram um tanto confusos, G5 não foi diferente de G10 e G15, mas
G10 foi significativamente maior que G15; G15, no entanto, não foi
significativamente diferente de G20. Já no Leg Press e no Stiff há uma clara
vantagem para 5 e 10 séries, sem diferença entre elas, enquanto fazer 15 e 20
séries apresenta piores resultados (sem diferença significativa entre ambos).
Gráfico dos aumentos nas espessuras musculares |
Os ganhos em espessura muscular
também seguiram essa mesma tendência, sendo que, em todos os músculos
analisados, os grupos que fizeram 5 e 10 séries apresentaram maiores aumentos
(sem diferença entre eles) do que os grupos G15 e G20.
Já o grupo G15 apresentou um
maior aumento (significativo) apenas nos músculos tríceps, peitoral e glúteo,
enquanto o bíceps e quadríceps não apresentaram diferenças significativas em
relação ao G20.
Por Que Isso Aconteceu
Os cientistas cogitam que as
mulheres que treinaram com maiores volumes possam ter apresentado alguns sinais
de overtraining. Segundo eles, um estudo com homens que realizaram 12
séries por semana mostrou piora na razão testosterona:cortisol (que pode ser um
indicativo de overtraining) após apenas 10 semanas de treino. No
presente estudo, as mulheres treinaram por 6 meses e com um volume ainda maior.
Contudo, até mesmo o grupo de mulheres que
fez 20 séries apresentou resultados positivos para ganho de força e aumento de
massa muscular ao fim do estudo. Além disso, as voluntárias estavam acostumadas
a treinar com um volume médio de 18 séries para membros superiores e 24 para
membros inferiores antes do estudo, então o treino de alto volume proposto não
estava muito longe do que elas já faziam.
Não temos como saber se os
resultados ruins foram cumulativos ou se seriam igualmente ruins mesmo em um período
de treino mais curto. Talvez não fizesse diferença, mas como não houve testes
no meio do estudo isso fica sendo apenas uma especulação.
O que também me impressionou é
que, no gráfico interindividual do estudo, todas as voluntárias dos grupos G5 e
G10 apresentaram resposta positiva ao treino, enquanto no G20 algumas
participantes chegaram a perder massa muscular. Isso não me parece sorte
(ou azar) de terem sido sorteadas para o grupo de maior volume justo as
participantes não-responsivas, mas sim um resultado do próprio treino.
Para mim, esse é um daqueles
casos clássicos em que MENOS É MAIS!
O maior volume utilizado pelos
pesquisadores nem foi tão absurdo. Eu arriscaria dizer que a maior parte dos
treinos que vemos sendo realizados nas academias chega facilmente a 15 ou 20
séries por grupo muscular. E diria mais, frequentemente devem passar disso.
Outra conclusão importante a se
tirar do estudo é: só porque você está progredindo, não significa que seu progresso
não poderia ser melhor.
O grupo de 20 séries, na média,
obteve ganhos positivos de massa muscular e força, porém os grupos que
treinaram menos (5 e 10 séries) progrediram mais. E ainda por cima, puderam passar
menos tempo na academia. É um duplo benefício.
OK, Mas Como Isso Fica Para Homens?
Em outro estudo² conduzido pelos
mesmos pesquisadores, publicado em junho de 2019, eles aplicaram exatamente o
mesmo método em homens jovens, com a diferença de que eles fizeram testes no meio
do caminho (12 semanas).
Nesse estudo, eles observaram que
os grupos que fizeram 5 e 10 séries apresentaram um aumento significativamente
maior na força do que os grupos G15 e G20. A mesma tendência foi observada para
a hipertrofia, embora os resultados não tenham atingido significância.
Além disso, a maior parte dos
resultados positivos foi atingida nas primeiras 12 semanas de treino para
todos os grupos. Entre as semanas 12 e 24 os ganhos de força praticamente
caíram pela metade. O mesmo ocorreu com a hipertrofia, sendo que o grupo que
fez 5 séries foi o que ficou mais distante da estagnação, enquanto o grupo que
fez 20 séries perdeu massa muscular em todos os músculos analisados após as 12
semanas iniciais.
Veja este trecho traduzido do
artigo:
“É interessante notar que a hipertrofia
muscular aparentemente entrou em platô após 12 semanas de treino e foi similar
após 24 semanas, sem diferenças significativas entre os grupos, embora as
estimativas tenderam a sugerir menores mudanças durante as 24 semanas para os
volumes mais altos (G15 e G20) comparado aos volumes mais baixos (G5 e G10). Ademais,
uma análise dos padrões de respostas sugere uma possível ocorrência de overtraining
nos grupos que fizeram 15 e 20 séries, já que os ganhos pareceram estagnar-se ou reverter entre as semanas 12 e 24”.
Se isso também tiver ocorrido no
estudo com as mulheres, pode ser um bom indicativo da necessidade de se fazerem
alterações no treino de tempos em tempos para continuar obtendo resultados
positivos.
Mas Eu Só Quero “Tonificar”
Infelizmente, ainda vemos muito
desse pensamento por aí. Mulheres que só querem "tonificar" e homens que não querem "crescer demais". Me desculpe acabar com suas expectativas, mas é bem improvável que isso aconteça se você não estiver tentando muito ficar gigante. Além disso, vocês não irão “tonificar” sem ganhar músculos ou perder gordura. Melhor ainda as duas coisas. E se
o objetivo do treino de musculação for estético, a hipertrofia é fundamental (não que hipertrofia não seja importante para a saúde).
As mulheres do grupo G10, que aumentaram
em 14,5% a espessura muscular do bíceps, na verdade ganharam 3,9mm (sim,
milímetros) de músculo (de diâmetro, no caso). O músculo delas foi de 2,69cm
para 3,07cm de “grossura”. Já os 15,1% de glúteos ganhos pelo G10, refletem
5,2mm de aumento (de 3,44cm para 3,96cm).
Embora os resultados tenham sido muito
bons, não é como se elas tivessem virado a versão feminina do Hulk em 6 meses.
Além disso, caso você note que seus braços estão ficando “grandes demais” ou que você está ganhando muitos músculos,
sempre há tempo de reduzir a intensidade ou volume do treino ou até mesmo aumentá-lo,
já que nesses estudos volumes maiores apresentaram piores ganhos ou até perdas musculares (claro que, na minha opinião, isso seria contraproducente).
O Que Isso Significa Para Você
Segundo a conclusão dos próprios
pesquisadores:
“Nossos resultados sugerem que
cinco séries por semana podem ser suficientes para promover adaptações ótimas em
termos de tamanho muscular e performance na maioria dos resultados. Além disso,
os achados sugerem que aumentar o volume de treino além de 10 séries por semana
pode ser prejudicial para a performance muscular e hipertrofia”.
Ou seja, o número ótimo de séries
parece estar em algum ponto entre 5 e 10 séries por músculo e aumentar o número
de séries pode não trazer os resultados desejados, desde que se treine em alta
intensidade (até a falha muscular ou muito próximo a ela). Para pessoas que não conseguem ou não querem atingir essa alta intensidade, talvez aumentar o volume ainda possa trazer alguns benefícios
adicionais, mas a pergunta aqui seria “aumentar até quanto”?
E Se Elas Dividissem Essas Séries em Mais Dias?
Pois é, há estudos sugerindo que
volumes mais altos podem trazer maiores ganhos em hipertrofia - 30 séries foram
melhores que 6 para bíceps e 45 séries foram melhores do que 9 para quadríceps.
Segundo os autores, a diferença
desses estudos é que o treino deles foi dividido em três sessões Full Body (em que se
trabalha o corpo inteiro no mesmo dia). Assim, espalhar volumes tão altos em
mais sessões pode trazer maiores benefícios do que completar um volume muito
alto em uma única sessão, contudo os pesquisadores sugerem atenção especial à recuperação nesse
caso.
Se, no presente estudo, os pesquisadores tivessem dividido
o volume total em mais sessões e aumentado a frequência de estímulo dos
músculos o resultado poderia, provavelmente, ter sido diferente, podendo inclusive favorecer volumes maiores.
Como Usar Essa Informação
Então você tem treinado por alguns
anos e vem sentindo que não sai do lugar há algum tempo? Pode ser que você
esteja exagerando no volume de suas sessões de treino.
Esse estudo traz um programa
sólido, com uma amostra grande o suficiente de voluntárias experientes e um
período longo o bastante para demonstrar que, às vezes, pecamos pelo excesso.
O jargão “quanto mais, melhor” possivelmente
não se aplica aos treinos de musculação.
O programa está aí em cima, tal como
foi aplicado no estudo. Você pode fazer um autoexperimento desse treino e ver
se ele funciona para você. Não esqueça que a intensidade é fundamental e que a
supervisão é altamente recomendável para não deixar você se autossabotar.
A única coisa que eu mudaria,
baseado no estudo em homens, seria a duração do programa, fazendo algum tipo de
alteração significativa no treino após as primeiras 12 semanas (ou talvez antes disso), como dobrar a frequência ou alterar a divisão do treino.
Fontes:
1. Barbalho M, Coswig VS, Steele J,
Fisher JP, Paoli A, Gentil P. “Evidence for na Upper Threshold for Resistance
Training Volume in Trained Women”. Med Sci Sports Exerc. 2019
Mar;51(3):515-522.
2. Barbalho M, Coswig VS, Steele J, Fisher JP,
Giessing J, Gentil P. “Evidence of a Ceiling Effect for Training Volume in
Muscle Hypertrophy and Strength in Trained Men - Less is More?”. Int J Sports
Physiol Perform. 2019 Jun 12:1-23.
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