Água com Limão, Glutamina e Gratidão 2: Mas e a Glutamina?

Ok, tudo bem que a água com limão não funciona, mas o que a ciência tem a dizer sobre a glutamina? Veja aqui.

Foto: Casimiro PT em Shutterstock


O artigo Água com Limão, Glutamina e Gratidão. Só que não. está sempre no topo dos mais lidos do site. Nele, vimos que a água com limão não tem nada de milagroso como o mainstream prega por aí.

Mas algumas pessoas acabam de lê-lo e ficam com uma grande sensação de vazio. E não é só porque suas expectativas de emagrecer, prevenir câncer e montar unicórnios foram dilaceradas naquele texto.

O problema é que as pessoas também queriam saber sobre a glutamina. E quem sabe até sobre a gratidão (não que eu pretenda escrever sobre isso).

Pois bem, esse sentimento de vazio acaba agora...


Mas e a Glutamina?

Glutamina é um aminoácido presente em alimentos como carnes e lacticínios, além de alguns vegetais. Então, churrasco com caipirinha seria uma ótima forma de consumir água com limão e glutamina.

Mas com certeza não é sobre isso que as pessoas estão pensando quando se referem a tomar água com limão e glutamina.

Essa Glutamina é um suplemento alimentar que, segundo gurus, coaches, blogueiros e blogueiras, revistas fitness, médicos holísticos e vendedores de suplementos alimentares, ajuda a aumentar a massa muscular e a emagrecer, aumenta a imunidade, beneficia as funções intestinais, melhora a recuperação e a resistência muscular e lhe dá a habilidade de levitar enquanto medita e sentir muuuita gratidão, para sempre. Ou quase isso.

Exceto pela habilidade de levitar, o resto das alegações não é facilmente observável, então temos que nos perguntar quais dessas afirmações sobre os benefícios da glutamina são cientificamente comprovadas e quais não passam de conversa pra lhe vender mais um suplemento que não vai surtir o efeito desejado.

Pensando nisso, novamente o pessoal do site Examine.com fez sua própria revisão de literatura com 21 estudos científicos para verificar os benefícios da glutamina.

Aqui está o que eles encontraram.


Checagem de Fato: Glutamina Constrói Músculos?

Glutamina é o aminoácido mais abundante em nosso corpo. O organismo pode sintetizá-lo, então ele não é um aminoácido essencial, mas seu uso pelo organismo pode, em alguns momentos, superar a taxa de síntese, fazendo da glutamina um aminoácido condicionalmente essencial.

Porém, historicamente, a glutamina tem sido considerada condicionalmente essencial apenas em pessoas com ferimentos críticos ou doentes – vítimas de queimaduras e outras pessoas com estresse físico excepcionalmente alto e em estado catabólico (degradação de tecidos corporais) desenfreado.

Foi apenas recentemente que alguns estudos com glutamina começaram a explorar os menores níveis de estresse físico e catabolismo causados pelo exercício extenuante. Alguns desses estudos examinaram os efeitos da glutamina na composição corporal (massa muscular e gordura), outros na recuperação muscular, e outros ainda no sistema imunológico.


Composição Corporal

Os benefícios da glutamina em pessoas com ferimentos críticos ou doentes levaram os pesquisadores a sugerir que ela pudesse ser um suplemento útil para atletas praticantes de exercícios vigorosos, os quais são catabólicos por natureza. Esses pesquisadores testaram suas hipóteses em um ensaio clínico randomizado duplo-cego envolvendo 6 homens treinados que consumiram glutamina ou glicina (0,3g por kg de peso corporal) uma hora antes da sessão de musculação. Resultado: a glutamina não aumentou a performance.

Outro grupo de pesquisadores testou glutamina (0,9 g/kg) contra um placebo em 31 sujeitos (homens e mulheres) treinados, durante um programa de treinamento resistido (entenda-se musculação) com duração de 6 semanas. Isso é o equivalente a 60g de glutamina para uma pessoa de 67kg; nessa dose, ela acabaria com um pote de glutamina (300g) em 5 dias. Mesmo uma dose diária tão alta de glutamina não apresentou efeitos maiores do que o placebo na força e na massa magra dos voluntários (ambas aumentaram nos dois grupos).

Claro que nenhum desses estudos expôs os participantes aos altos níveis de estresse como os sofridos por vítimas de queimaduras, por exemplo. Um ensaio clínico randomizado envolvendo 18 atletas universitários de luta olímpica tentou abordar essa questão comparando placebo com glutamina (0,35 g/kg) durante um período intensivo de redução de peso (cutting) por 12 dias. Ambos os grupos perderam 2kg de massa corporal, sem diferenças significativas entre os grupos em relação a massa magra ou gordura.

Uma metanálise de 5 estudos conduzida em 2018 também não encontrou benefícios da glutamina na composição corporal. Embora a glutamina tenha um papel na síntese muscular (ela é um ativador de mTOR independente), o que nós obtemos através da alimentação parece ser suficiente; a suplementação não parece trazer benefícios adicionais.

Concluindo:

A suplementação de glutamina não tem efeito na massa magra ou na gordura corporal, mesmo durante dietas agressivas.


Recuperação Muscular

Então a glutamina não ajuda na composição corporal; mas será que ela facilita a recuperação aos treinos?

Para ajudar a responder essa questão, os pesquisadores deram placebo ou glutamina (0,3 g/kg) para 15 homens ativos logo após um exercício com alto nível de dano muscular (100 drop-jumps - saltos de uma altura com aterrissagem) e os monitoraram pelos próximos 4 dias. Eles reportaram que, comparado ao placebo, a glutamina reduziu significativamente a dor muscular e melhorou a recuperação da força.

Contudo, outro estudo com 17 homens jovens destreinados concluiu que tomar placebo ou glutamina (0,1 g/kg), 3x por semana por 4 semanas, não teve efeito na dor muscular, amplitude de movimento, ou ativação eletromiográfica (EMG) até 48h após a realização de um exercício com alto nível de dano muscular - 6 séries de extensões de joelho excêntricas (negativas) até a exaustão com carga de 75% de 1 Repetição Máxima (1RM).

Importante notar que esse último estudo envolveu sujeitos destreinados e usou uma dose menor de suplemento, bem como um período de suplementação diferente e um protocolo de exercício diverso - todos fatores que podem ajudar a explicar a discrepância entre os dois estudos.

Mais recentemente, um estudo com 23 homens treinados investigou os efeitos de tomar glutamina combinada com leucina (um aminoácido essencial). Os voluntários foram divididos em três grupos que tomaram leucina (0,087 g/kg) ou leucina com glutamina (0,087 g/kg + 0,3 g/kg) ou placebo 30 minutos antes e depois de um treino com alto nível de dano muscular (100 drop-jumps) e, novamente, antes e depois de testes de recuperação feitos 24, 48 e 72h após a primeira sessão de exercício (os saltos).

A leucina sozinha resultou em melhor recuperação da força apenas após 72h. Leucina com glutamina levou a uma melhor recuperação da força muscular após 24h, 48h e 72h. Em compensação, a dor muscular não foi diferente entre os grupos.

Observe que esses 3 estudos foram conduzidos apenas com homens. Outro estudo recrutou 8 homens e 8 mulheres, todos ativos, e lhes deu placebo ou glutamina (0,3 g/kg) 1 hora antes e depois de um exercício com alto nível de dano muscular (8 séries de 10 contrações excêntricas a 125% de 1RM na cadeira extensora) e, novamente, antes de testes de recuperação conduzidos 24, 48 e 72h após a primeira sessão. A recuperação da força muscular foi modestamente maior nos homens que tomaram glutamina, mas não nas mulheres, embora ambos os sexos tenham apresentado redução significativa na dor muscular.

Conclusão:

Em homens recreacionalmente ativos, a suplementação de glutamina próxima ao exercício parece melhorar a recuperação da força e pode reduzir a dor muscular. Contudo, apenas um estudo durou mais de 72h, o que nos impede de tirar conclusões sobre os efeitos da suplementação crônica de glutamina. Da mesma forma, apenas um estudo incluiu mulheres, o que também nos impede de tirar conclusões sobre os efeitos da suplementação de glutamina em mulheres.

Note que a recuperação da força muscular (e menor dor) não significa recuperação das microlesões sofridas pelo tecido muscular ocorridas durante o treino. Como vimos anteriormente, a glutamina não ajuda a construir músculos, o que sugere que ela provavelmente também não ajude a recuperá-los, visto que essas duas coisas estão correlacionadas.


Enfermidades

O aminoácido glutamina é o principal combustível para as células do sistema imunológico. Os níveis plasmáticos de glutamina são reduzidos após exercícios prolongados de endurance (cardio), e essa redução está correlacionada com um maior risco de infecções.

Um estudo antigo (de 1996) com maratonistas e ultramaratonistas reportou que tomar 5g de glutamina logo após uma prova (ou evento) e 2 horas mais tarde reduziu significativamente a incidência de infecções durante a semana seguinte. Especificamente, 19% do grupo que tomou glutamina teve alguma enfermidade, comparado com metade do grupo placebo.

Nenhum outro ensaio clínico estudou os efeitos da glutamina em infecções em atletas, mas outros estudos verificaram vários aspectos do sistema imune, como função dos glóbulos brancos e concentrações salivares de Imunoglobulina A (IgA), e nenhum encontrou uma relação entre a redução dos níveis plasmáticos de glutamina induzida pelo exercício e alterações no sistema imunológico.

Como evidências mais recentes começaram a sugerir, os benefícios da glutamina podem ser mediados por seus efeitos na barreira intestinal. Exercício aeróbio prolongado é uma das causas conhecidas da síndrome do intestino permeável – uma condição na qual o estresse térmico e o fluxo sanguíneo reduzido para o trato gastrointestinal causam danos às células intestinais, “afrouxando” as junções de oclusão entre as células da parede do intestino, permitindo a absorção de coisas que supostamente não deveriam passar pela barreira intestinal.

Em um estudo recente, glutamina (0,25, 0,5 e 0,9 g/kg) mostrou um efeito dose-dependente na redução da permeabilidade intestinal induzida pelo exercício. Em um estudo anterior, a redução na permeabilidade intestinal pela suplementação de glutamina foi correlacionada com reduções em endotoxinas séricas e marcadores inflamatórios.

Conclusão:

O aminoácido glutamina é uma importante fonte de energia para as células intestinais e sistema imune. Sua suplementação pode reduzir disfunções do trato intestinal induzidas pelo exercício e pode reduzir o risco de doenças devido a exercícios aeróbios prolongados.


Em Suma

  • Não há evidências de que suplementar glutamina ajude a construir músculos e melhorar a composição corporal.

  • Há evidências moderadas de que a suplementação de glutamina melhore a recuperação aguda aos treinos de força. Contudo, isso pode não funcionar em mulheres e não há estudos no longo prazo (envolvendo a suplementação crônica).

  • Há evidências limitadas de que a glutamina possa ajudar a manter a integridade do trato gastrointestinal durante exercícios aeróbios prolongados e, assim, reduzir o risco de ficar doente em seguida.


O Que Isso Significa para Você

Se seu objetivo é ganhar músculos ou perder gordura, não gaste seu suado dinheiro com glutamina. Outros suplementos, como creatina e proteínas, são muito mais úteis. Contudo, alimentar-se bem é o primeiro passo.

Se você não sabe porque está tomando glutamina ou porque quer começar a tomar glutamina, não jogue seu dinheiro no lixo com esse suplemento.

Embora ela possa auxiliar na recuperação da força muscular no curto prazo, avalie se isso é realmente importante para você. Não adianta muito recuperar a força muscular e não dar descanso suficiente para que o músculo promova uma supercompensação e cresça (ocorra a hipertrofia).

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Se você quiser comprar glutamina de uma fonte confiável, clique no link abaixo.

É brincadeira.

Não vou vender glutamina aqui. Pessoalmente, creio que grande parte da população nem deveria cogitar gastar dinheiro com esse suplemento. E se você tiver uma indicação muito específica para tomá-la (e eu acho que ainda precisamos de mais estudos provando efeitos positivos para isso), não vai ter dificuldade em encontrá-la por aí.


Tá, Mas e Se Misturar Glutamina na Água com Limão?

Claro. Aí vai fazer toda a diferença. Só que não, de novo.

Misturar duas coisas que não funcionam (dependendo do objetivo) não vai fazê-las magicamente começar a funcionar.

Faz tanto sentido quanto esperar que um motor de carro velho funcione porque você botou carvão no tanque de combustível.



Fonte:
1. Leaf, A. “Fact check: does glutamine builds muscle?”. https://examine.com/nutrition/does-glutamine-build-muscle/

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