Cortar carboidratos radicalmente não afeta a performance de força muscular em atletas.
Foto: Malidate Van em Pexels |
Se você já fez a Dieta da Proteína, Atkins, dieta Carnívora (d’oh) ou algum outro tipo de dieta muito baixa em carboidratos – uma variação da dieta lowcarb conhecida como dieta cetogênica - em algum momento da adaptação você deve ter se sentido um lixo.
Nesses
dias certamente você deve ter passado por alguns declínios na performance, sentido-se fraco e sem vontade de praticar exercícios ou imaginado que iria
morrer de hipoglicemia ou algo do tipo. Talvez você tenha até passado por um pequeno
“resfriado” (famosa gripe low carb).
Isso
ocorre por causa da falta de glicose para os tecidos, devido à quantidade
bastante restrita de carboidratos em uma dieta cetogênica (menos de 30g por
dia), o que leva o fígado a produzir corpos cetônicos (ou cetonas), um substrato metabólico
de alta energia utilizado na indisponibilidade de glicose. O problema é que seu
corpo não está muito acostumado a usá-los inicialmente e isso requer uma fase
de adaptação que pode durar até 14 dias.
Algumas
pessoas chegam a desistir da dieta nessa fase, sem conseguir descobrir se ela realmente
funciona para si ou não.
Mas
mesmo aqueles que conseguem passar por essa fase inicial (cetoadaptação)
frequentemente ficam preocupados com declínios na força muscular ou na
performance durante o exercício. Até mesmo profissionais do esporte ou da saúde
acreditam que uma dieta muito baixa em carboidratos seja prejudicial para a
performance esportiva.
Ao
menos isso é o que eles concluem, já que um treino árduo combinado com uma
dieta realmente baixa em carboidratos deveria resultar em falta de energia
rapidamente disponível vinda da glicose.
Não
que eu esteja subestimando seus conceitos de “treino árduo”, mas duvido que a
maioria dessas pessoas estivesse treinando tanto quanto as cobaias de um estudo
publicado em 2012 pelo grupo do Dr. Antonio Paoli.
Vamos dar uma olhada nele.
O Que Eles Fizeram
Os
cientistas recrutaram 8 homens jovens (média de 21 anos), atletas de elite de ginástica
artística, treinando em média 30 horas semanais, e os submeteram a uma dieta
low carb (na verdade cetogênica) durante 30 dias.
A
dieta cetogênica consistia primariamente de carnes, vitela, aves, peixes, ovos,
queijos, frios (presunto curado, carpaccio, etc.) e vegetais verdes crus ou
cozidos. As bebidas permitidas eram chás, café e alguns extratos de ervas
fornecidos pelos pesquisadores.
Os
ginastas foram orientados a evitar álcool, pães, massas, arroz, leite, iogurte,
chá solúvel e cevada.
Para
ajudar, eles receberam listas de alimentos permitidos e proibidos, e tiveram
que preencher um diário alimentar durante três dias para validar sua adesão à
dieta.
Eles
ainda podiam consumir um suplemento feito de proteína e fibras, praticamente
sem carboidratos (mas imitando seu sabor), fornecido pelos cientistas.
Além
disso, a dieta cetogênica era suplementada com um multivitamínico e mineral, além
de quatro extratos de ervas especificamente desenvolvidos para o estudo para
ajudar na digestão, reduzir os sintomas de fraqueza e cansaço da fase inicial
da cetose, regulagem hormonal, controle glicêmico e por seus efeitos
antioxidantes e diuréticos.
Antes
e depois dos 30 dias de dieta, foram avaliadas a massa muscular e gordura dos
participantes através de um protocolo de 9 pregas cutâneas (mais 6
circunferências e 4 diâmetros ósseos). Não exatamente o tipo de teste mais
confiável para determinar a composição corporal, mas é o que temos.
Os
atletas ainda foram submetidos a 7 testes de força ou força explosiva: salto vertical
sem contramovimento (SJ), salto vertical com contramovimento (CMJ), saltos
verticais consecutivos por 15 segundos, apoio no solo (push-up), barra supinada
(chin up), abdominal infra pendurado na barra (hanging leg raise) e mergulho
nas paralelas (dips).
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Então,
depois de três meses (tempo necessário para que os ginastas estivessem em uma
fase de treinamento semelhante à do período anterior), na segunda fase do
estudo, os 8 ginastas foram avaliados novamente, mas, dessa vez, antes e depois
de 30 dias consumindo uma dieta ocidental padrão, composta principalmente por
batatas, grãos integrais (pães, massas, arroz), carnes, peixes, ovos, aves,
vegetais, legumes, frutas, leite e vinho (eles eram italianos...).
Nas
duas fases, eles podiam alimentar-se à vontade, não havendo controle voluntário
de porções ou calorias.
O Que Eles Encontraram
Na dieta
cetogênica os atletas consumiram cerca de 22g de carboidratos ao dia. A
composição de macronutrientes da dieta ficou em, aproximadamente, 55% gorduras,
40,5% proteínas e 4,5% carboidratos, e cerca de 1973 kcal diárias.
Na
segunda fase (dieta ocidental padrão), eles consumiram cerca de 47% da energia
em forma de carboidratos, 38,5% de gorduras e 14,5% de proteínas, totalizando
aproximadamente 2036 kcal por dia.
Composição Corporal
Durante
a dieta cetogênica, os atletas perderam 1,6kg (ou 2,35%) de peso corporal (estatisticamente
significativo), enquanto na dieta ocidental o peso manteve-se estável (-
0,1kg).
A
dieta cetogênica também apresentou uma redução de massa gorda (-1,9kg) e percentual
de gordura (-2,6%) estatisticamente significativos, quando comparado à
dieta ocidental (-0,2kg e -0,3%, respectivamente).
Em
ambas as dietas os atletas ainda obtiveram um pequeno ganho em massa muscular (não
significativo) de 0,3kg na cetogênica e 0,2kg na ocidental.
Porém,
após a dieta cetogênica, houve redução na massa
magra (-1,1kg), apesar de um aumento significativo no percentual de massa magra (+2,6%), enquanto na dieta ocidental não
ocorreram mudanças significativas (+0,3kg e +0,3%, respectivamente).
Apesar
disso, parece haver um erro nos cálculos dos pesquisadores, já que a soma da
massa magra e da gordura ainda fica longe do peso corporal total reportado nas
tabelas do estudo (exceto nas medidas pré dieta cetogênica). Então, na minha
opinião, ou eles erraram a quantidade de gordura ou de massa magra ou ambas.
Mas
isso não é o mais importante. O que é realmente interessante nesse estudo vem
agora.
Performance nos Testes
Em
nenhum dos 7 testes houve redução na performance após os 30 dias de dieta cetogênica.
Na
verdade, o único teste que apresentou alteração (e que, segundo os
pesquisadores, não foi significativa) foi o apoio no solo (push-up) após a
dieta ocidental padrão, que demonstrou uma tendência de aumento no número de
repetições.
Os
demais testes, tanto após a dieta cetogênica quanto após a dieta ocidental,
praticamente não apresentaram diferenças.
O Que Isso Significa Para Você
Embora
usar uma dieta cetogênica para ganhar músculos possa ser uma má idéia, parece
que usá-la para emagrecer enquanto se mantêm massa muscular e força pode ser
uma alternativa interessante.
Claro
que você deve levar em conta sua aderência a esse tipo de dieta. Para algumas pessoas
simplesmente “não dá”, enquanto outras se sentem bem e conseguem fazê-la quase
sem esforço.
O
que eu gosto nesse estudo é que os atletas tiveram tempo suficiente para a
cetoadaptação e, depois de 30 dias de dieta, não perderam performance
esportiva. E tenha em mente que eles treinavam umas 30h por semana. E você
achando que ia perder a força treinando 1h por dia.
Os
atletas, de fato, reclamaram de não conseguir completar alguns exercícios durante
seu treinamento. Porém, esses efeitos foram temporários e desapareceram após a
primeira semana.
Outra
aplicação prática desse estudo, sugerida pelos próprios cientistas, é o uso da
dieta cetogênica para atletas competitivos em esportes com categorias de peso.
É de conhecimento público que atletas dessa natureza se submetem a diversos
procedimentos (sauna, uso de diuréticos, dietas hipocalóricas, desidratação)
para bater o peso de sua categoria, muitos desses com efeitos deletérios na
performance.
Uma
dieta cetogênica pode levar a uma rápida perda de peso, mesmo no curto prazo
(através da depleção de glicogênio e perda de água intramuscular), e, segundo o
presente estudo, sem perda na performance e na força muscular. Assim, pode ser
um método interessante para atletas baterem o peso de sua categoria antes de
uma competição.
Por Que Isso Emagrece
Segundo
os autores, os fatores envolvidos na perda de gordura através de dietas
cetogênicas têm a ver com:
- Efeito das proteínas na saciedade, levando a uma redução no apetite, o que também pode ter influência das cetonas, embora o mecanismo ainda não seja claro;
- Maior redução na síntese de lipídios e aumento nos mecanismos de lipólise;
- Redução no Quociente Respiratório, ou seja, aumento no metabolismo de gorduras para uso como energia;
- Aumento no gasto energético causado pela gliconeogênese e pelo efeito térmico das proteínas.
Bom,
até pode ser isso, mas no caso do presente estudo eu tenho mais algumas
ressalvas.
Como
as calorias consumidas não foram significativamente diferentes entre os grupos (63
kcal de diferença), os atletas: ou devem ter gasto mais energia durante a fase
da dieta cetogênica; ou eles reportaram consumir mais calorias do que realmente
ingeriram durante a fase cetogênica; ou consumiram mais calorias do que
reportaram durante a dieta ocidental.
A
energia não desaparece simplesmente na natureza; e calorias nada mais são do
que energia. Uma diferença total média de 1890 kcal ao longo de 30 dias não tem
como resultar em quase 2kg de perda de gordura durante a dieta cetogênica, por
isso eu ainda sou cético quanto aos cálculos reportados no estudo (eles
realmente não batem).
Apesar
disso, ainda considero a dieta cetogênica um meio interessante de reduzir a
ingestão calórica e emagrecer. A exclusão de um grupo inteiro de
macronutrientes leva a uma grande restrição das possíveis escolhas de alimentos,
e se você não pode comer certas comidas (e tem força de vontade suficiente para
isso) você espera até ter a possibilidade de fazer a próxima refeição direito.
A falta de apetite e a saciedade
também podem ter papel importante no emagrecimento através da dieta cetogênica,
mas parece que, no fim, o que emagrece mesmo é a restrição calórica que ocorre quase
naturalmente nesse tipo de dieta.
O Que Fazer Com Essa Informação
O
que esse estudo realmente demonstrou é que uma dieta cetogênica não reduz a
performance mesmo em atletas de elite treinando com um volume semanal muito
maior do que a maioria das pessoas faria em um mês inteiro.
De
brinde, ainda vimos os desfechos de emagrecimento e manutenção
da massa magra ocorridas no estudo. E embora a parte de perda de gordura seja discutível,
eles realmente perderam peso, ainda que parte tenha sido em água e glicogênio (que é
considerado massa magra), o que é uma informação útil para atletas que competem
em categorias de peso.
Não estou dizendo que essa é uma dieta ótima para atletas. Longe disso. Mas também não é uma opção a ser prontamente descartada.
Não estou dizendo que essa é uma dieta ótima para atletas. Longe disso. Mas também não é uma opção a ser prontamente descartada.
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Enfim,
se você está fazendo dieta cetogênica e sentindo-se fraco, mesmo depois de uma
adaptação de 10-14 dias, isso é um sintoma provavelmente psicológico.
Pelo menos agora você pode comparar seu volume de treino com as 30 horas que os
ginastas treinavam na semana.
E se
mesmo assim eles não morreram e ainda foram capazes de manter a força e a
performance física, você também deve conseguir.
Fonte:
1. Paoli
A, Grimaldi K, D’Agostino D et al. “Ketogenic diet does not affect strength
performance in elite artistic gymnasts”. J Int Soc Sports Nutr. 2012, 9, 34.
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