Posição dos Pés e Hipertrofia das Panturrilhas (Gêmeos)

Estudo mostra que mudar a posição dos pés pode causar maior aumento das diferentes cabeças do gastrocnêmio.


Eu confesso que normalmente sou um pouco cético com a “sabedoria popular” do fisiculturismo.

Isso porque, por diversas vezes ela já se mostrou errada. Diferentes variações de rosca direta para estimular o pico ou a largura do bíceps, de supino para o miolo do peito e de posição dos pés no leg press para trabalhar a parte posterior da coxa, todas essas foram observações empíricas que a ciência demonstrou total ou parcialmente equivocadas.

Algumas, porém, devemos admitir que estavam certas.

Segundo essa sabedoria popular, se você fizer seus exercícios de panturrilha (ou gêmeos, como é chamado na academia - embora o nome correto do músculo seja gastrocnêmio) com as pontas dos pés viradas para fora, você estimularia mais a cabeça medial (interna) do músculo; por outro lado, fazendo-os com as pontas dos pés viradas para dentro, a principal cabeça envolvida seria a lateral (externa).

Anatomia da perna direita, vista posterior - Tríceps Sural: gastrocnêmio (cabeças medial e lateral) e sóleo


Estudos com eletromiografia (EMG) já haviam identificado que essa teoria poderia ser realmente verdadeira, encontrando uma maior atividade eletromiográfica (captação elétrica através das contrações musculares) nas respectivas cabeças do gastrocnêmio conforme os diferentes posicionamentos dos pés. Ou seja, rotação externa (pontas para fora) = maior atividade da cabeça medial; rotação interna (pontas para dentro) = maior atividade da cabeça lateral; pés paralelos (pontas para frente) = atividade semelhante em ambas as cabeças. Mas isso também não é um consenso.

Ainda que uma maior ativação na EMG nem sempre signifique maior hipertrofia, nesse caso, aparentemente os resultados confirmam os dados eletromiográficos. Ao menos segundo um estudo de pesquisadores paranaenses recém saído do forno.



O Estudo

9 semanas de treino, 22 homens jovens destreinados, 44 pernas, cada perna sorteada para uma condição diferente:

  1. Ponta do pé virada para fora (FPO);
  2. Ponta do pé para dentro (FPI);
  3. Ponta do pé reta para frente (FPF).

O interessante é que cada perna do mesmo indivíduo poderia ser sorteada para duas posições diferentes dos pés. Um participante poderia ser sorteado para fazer com a perna direita para fora (FPO) e a esquerda para dentro (FPI), enquanto outro poderia ser sorteado para fazer com a perna direita reta (FPF) e a esquerda para fora (FPO), por exemplo, teoricamente eliminando a variação interindividual na hipertrofia como fator de confusão do estudo.

O exercício foi realizado unilateralmente (uma perna de cada vez) no Leg Press horizontal, com 3-4 séries de 20-25 repetições e 60-90 segundos de descanso entre as séries. O movimento foi executado em máxima amplitude, com um tempo de 2:0:1:1 (i.e. 2s de fase excêntrica [negativa]; sem pausa entre as repetições; 1s na fase concêntrica [empurrando]; 1s de pausa no pico de contração). As séries foram levadas até a falha muscular momentânea e a carga era aumentada de 5 a 10% a cada semana, de acordo com a performance anterior.

Foi determinado um ângulo de 45º de rotação (para dentro ou para fora) para as condições FPO e FPI, ou até a amplitude máxima possível caso o participante fosse incapaz de alcançar os 45º exigidos em alguma direção (algumas pessoas podem apresentar dificuldade de “girar” os pés para dentro).

Durante as sessões de treino, os participantes foram constantemente motivados e incentivados verbalmente, com frases como “Contraia o músculo!”, “Esmaga que cresce!”, “Vem monstro!” e “Aqui é bóribíudi, porra!”.

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Para participar do estudo, os voluntários deveriam ter idades entre 18 e 35 anos, estar em boas condições de saúde, livres de lesões e ter experiência prévia de, no mínimo, 6 meses de treino resistido (i.e. musculação), porém deveriam estar há pelo menos 4 meses sem treinar.

Além do exercício em estudo, eles realizaram um treino progressivo Full Body (de corpo inteiro) três vezes por semana em dias alternados, com 6 exercícios para os principais grupos musculares, como supino, puxada, rosca tríceps, rosca bíceps, leg press e flexão de joelhos.

Antes e depois das 9 semanas de treino, eles tiveram as espessuras de ambas as cabeças de seus músculos gastrocnêmios medidas por ultrassonografia.



Os Resultados

Isto foi o que eles encontraram:



Quando o exercício foi feito com as pontas do pés viradas para fora (FPO), a hipertrofia do gastrocnêmio medial foi significativamente maior (8,4%) do que quando viradas para dentro (3,8%). Além disso, embora tenha apresentado uma tendência a ser maior do que com os pés retos (5,8%), essa diferença não foi estatisticamente significativa.

Praticamente o mesmo ocorreu com o gastrocnêmio lateral, cuja espessura aumentou significativamente mais no grupo FPI (9,1%) comparado ao FPO (5,5%), porém não foi significativamente maior do que no FPF (6,4%).

Fazer o exercício com os pés apontados para frente ficou no meio do caminho em ambas as situações, sem diferenças significativas tanto para menos quanto para mais.

A imagem abaixo, retirada do estudo, mostra a variação na espessura das cabeças do gastrocnêmio conforme cada condição. Cada bolinha representa uma perna de um indivíduo:

Variação da espessura (em %) no gastrocnêmio medial (cima) e lateral (baixo) em cada posição dos pés¹



O Que Isso Significa Para Você

Parece que, no fim das contas, os marombas estavam certos. Fazer seus exercícios de gêmeos mudando as posições dos pés realmente pode resultar em maior hipertrofia em “partes” específicas do músculo gastrocnêmio.

Nas palavras dos autores:

“...A hipertrofia muscular específica das cabeças do gastrocnêmio pode ser obtida após 9 semanas de treino em homens jovens. Posicionar os pés com as pontas para fora pode induzir maiores ganhos na cabeça medial do gastrocnêmio, enquanto posicionar os pés com as pontas para dentro parece melhor para aumentar a cabeça lateral”.

E ainda:

“...Mudar o posicionamento dos pés pode potencializar a hipertrofia de uma cabeça do gastrocnêmio sem prejudicar significativamente o aumento da cabeça oposta”.

Embora o exercício executado no estudo tenha sido o Leg Press horizontal, isso provavelmente ocorre com outros exercícios de panturrilha também. Exceto que talvez não seja muito interessante aplicar a técnica no exercício de panturrilha sentado na máquina, frequentemente realizado com foco no músculo sóleo, já que, pela flexão dos joelhos, esse exercício tende a estimular menos os gastrocnêmios de qualquer forma, embora a posição pareça não aumentar significativamente (de 4 a 5%) a ativação EMG do sóleo segundo alguns estudos.



Mas Nós Já Sabíamos Disso Tudo, Não?

Não exatamente.

Embora alguns estudos tenham demonstrado maior ativação eletromiográfica das diferentes cabeças do gastrocnêmio de acordo com a posição adotada pelos pés, nem todos os estudos estavam realmente de acordo com isso. E até onde eu sei, isso nunca tinha sido realmente testado em um estudo longitudinal.

Além disso, nem sempre uma maior ativação EMG significa maior hipertrofia. Por exemplo, embora a elevação pélvica apresente uma ativação EMG dos glúteos superior ao agachamento, um estudo demonstrou que o agachamento é duas vezes mais eficiente para hipertrofia dos glúteos do que a elevação pélvica. Da mesma forma, apesar de o agachamento ativar os músculos posteriores da coxa (isquiotibiais), conforme captado pela EMG, ele não se mostrou eficiente para promover a hipertrofia desses músculos.

Mas no presente estudo, temos um daqueles casos onde os resultados, de fato, confirmam os mecanismos.



O Que Fazer Com Essa Informação

Algumas coisas me chamaram a atenção nesse estudo.

Primeiro, frequentemente ouvimos falar que as panturrilhas são um grupo muscular difícil de “crescer”. Contudo, este estudo não nos mostra isso. Pelo contrário, o aumento de espessura médio de 6,5% (ou de 5 a 9% em quase todas as condições) está de acordo com os ganhos de outros grupos musculares encontrados em estudos diversos.

Outra coisa é que, embora não tenha havido diferenças significativas entre fazer o exercício com os pés retos ou com rotação, as tendências de maior hipertrofia da cabeça medial no FPO e da cabeça lateral no FPI ainda permaneceram.

Mesmo assim, eu não poderia dar uma melhor aplicação prática do que a sugerida pelos autores:

“Pelos resultados desse estudo, apontar os pés para frente pode ser a abordagem ideal quando o objetivo é induzir um crescimento proporcional das duas cabeças do gastrocnêmio, enquanto apontar os pés para fora ou para dentro pode induzir hipertrofia seletiva de porções específicas do músculo, ajudando a corrigir assimetrias musculares e melhorando a aparência estética das panturrilhas”.


Então, se você notar que sua panturrilha é mais desenvolvida de um lado, fazer o exercício com rotação dos pés pode lhe ajudar a corrigir isso. Apenas lembre-se que a lógica funciona ao contrário:

  • Ponta dos pés para dentro: maior hipertrofia da parte de fora (lateral) da panturrilha;

  • Ponta dos pés para fora: maior hipertrofia da parte interna da panturrilha.


Eu sei o que você está pensando: ­­­— “Então é só fazer os dois”.

E olha, até pode ser que isso dê certo para maximizar o desenvolvimento de suas panturrilhas, mas nós ainda não podemos concluir isso com base neste estudo. Porém, tenha em mente que, para isso, você precisará fazer de 6 a 8 séries unilaterais (totalizando 12 a 16 “séries” de gêmeos), caso siga o modelo aplicado no estudo. E isso vai lhe tomar um bom tempo de treino (mesmo se você resolver fazer com as duas pernas simultaneamente).

Também não sabemos se, nesse caso, não seria melhor apenas fazer uma ou duas séries a mais com os pés retos mesmo; pelo menos pouparia tempo. Resultaria em maior hipertrofia? Novamente, não sabemos.

Esse estudo também é o primeiro a demonstrar esse tipo de resultado, assim, antes de dar um veredito definitivo, como sempre, mais pesquisas são necessárias.

No fim, acaba sendo uma questão de escolha pessoal. E se o custo-benefício lhe parece vantajoso, não há problema em testar isso na prática.



Fontes:
1. Nunes JP et al. “Different foot positioning during calf training to induce portion-specific gastrocnemius muscle hypertrophy”. The Journal of Strength and Conditioning Research. April 2020. (Published Ahead-of-Print)

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